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O “Artigo 13” da União Europeia pode afetar a sua empresa? Entenda como:

03/04/19

Você já deve ter ouvido falar nos chamados Artigo 13 e Artigo 11, novas regras europeias aprovadas no dia 26 de março de 2019. As novas diretrizes de direitos autorais para a União Europeia acabaram sofrendo mudanças ao longo dos anos, fazendo com que seu texto mais polêmico passasse a ser, na verdade, os artigos 15º e 17º.

As novas regras ainda podem demorar um tempo para serem realmente efetivadas, mas o primeiro grande passo, que é sua aprovação no Parlamento Europeu, já aconteceu. De acordo com a Agência Brasil, ainda é preciso aguardar um posicionamento de instituições como o Conselho Europeu e a Comissão Europeia.

Mas, afinal, o que é essa mudança na lei da União Europeia?

Essa mudança é uma nova diretiva sobre direitos autorais na economia digital. Estes dois artigos presentes no documento buscam regular a maneira como se compartilha informação de sites noticiosos, bem como vídeos e imagens produzidos por outros. O texto pode ser lido na íntegra no site do Parlamento Europeu aqui, onde os parágrafos aos quais nos referimos se encontram a partir da página 118.

Em tempo, o site do Parlamento Europeu é claro ao dizer: “não estão a ser criados quaisquer novos direitos ou obrigações. O que atualmente é legal e pode ser partilhado continuará a ser legal e a poder ser partilhado”.

De maneira resumida, os artigos dizem o seguinte:

Artigo 15º: Sites de busca e plataformas que agregam notícias deverão pagar pelo uso de links de sites de notícias. Para isso, o texto prevê que sejam celebrados acordos de licenciamento pela utilização de artigos. Segundo o site da SIC, ficam de fora os links para notícias em “palavras isoladas ou de excertos muito curtos”, que podem continuar a ser partilhadas livremente. A exceção também serve aos “memes” e GIFs, que não são considerados por este parágrafo, e portais de instituições sem fins lucrativos, como a Wikipédia. Este era inicialmente o Artigo 11, e não há muita resistência quanto a ele.

Artigo 17º: Plataformas que permitem aos usuários subirem conteúdo, que vão desde os gigantes Youtube e Facebook até menores como Tumblr e DeviantArt, serão responsabilizadas por conteúdo protegido por direitos autorais, ou seja, não poderão colocar no usuário esta responsabilidade. O texto prevê exceção para situações de citação, e as chamadas “utilizações legítimas”, como críticas, análises e paródias. Para tanto, as plataformas precisariam de softwares de análise de conteúdo, que não conseguem dar conta de perceber cada detalhe, podem ter percepções falhas, e possuem grande dificuldade de identificar paródias – ao contrário do artigo anterior, este pode atingir os memes e GIFs. Este, que era antes o Artigo 13, é o artigo que realmente pode mudar tudo.

Algo importante a se considerar:

Enquanto texto do Artigo 15º deixa claro que os pagamentos devem ser apenas para links de notícias dos estados-membros da União Europeia, o 17º não limita o conteúdo assegurado por direitos autorais para apenas aqueles produzidos dentro dos países da U.E. Mesmo assim, a medida pode ser ampliada para novos territórios ao longo do tempo, seja por influência da U.E. no mundo, seja por possíveis exigências de acordos comerciais (como os acordos entre esta e o Mercosul, por exemplo, cujos laços vêm se estreitando há algum tempo).

O que essa mudança pode acarretar:

A proposta do Artigo 17º (ou Artigo 13, para manter o primeiro “nome”) colocou dois grandes grupos em posições diferentes: de um lado, as grandes gravadoras e produtoras defendem a nova regra, enquanto que as plataformas como o próprio Google e o Youtube são contrárias.

Um argumento a favor alega que jornalistas, escritores, músicos e atores conseguiriam negociar melhores acordos com os seus editores ou produtores, e também evitariam que as grandes plataformas se beneficiem tanto com seus conteúdos. Defensor da medida, o músico Paul McCartney afirmou: “Plataformas de compartilhamento de conteúdo feito por usuários se recusam a compensar artistas e todos músicos de maneira justa pelos seus trabalhos, enquanto eles os exploram para seu próprio lucro”.

O argumento contrário ao “Artigo 13” afirma que o acordo final protege essencialmente os donos dos títulos e a grande indústria. Além disso, a visão contrária também aponta o problema de se criar uma “censura prévia”. Atualmente, a maioria das plataformas permite ao detentor dos direitos de uma música, imagem ou texto, reclamar para si os direitos de algo já publicado para então negociar ou entrar na justiça. “O que a emenda quer fazer é criar esse filtro antes da reclamação”, explica a youtuber Nilce Moretto em um vídeo sobre o assunto, no qual argumenta o quanto a nova diretiva é impraticável devido ao volume de conteúdo que existe hoje na internet, bem como à quantidade incalculável de produtores com o potencial de alguma inserção de conteúdo com direito autoral. A deputada do Parlamento Europeu Marisa Matias, de Portugal, acrescentou em seu perfil no Twitter: “Um dos argumentos dos apoiantes da censura digital foi a remuneração dos artistas, criadores e jornalistas. Esta manhã desafiei um desses defensores a citar o artigo da directiva copyright que determina uma remuneração justa. A resposta foi… nada”.

O que pode acontecer

Com a exigência do texto do tal “Artigo 13”, as plataformas como o Youtube, Facebook, Tumblr, DeviantArt, Giphy, Reddit e Instagram, apenas para citar alguns exemplos, precisarão ter licença de copywright para absolutamente todo conteúdo. Ou seja: qualquer pessoa que for produzir um vídeo, publicar uma foto, ou qualquer outra coisa, precisará fazer isso junto com a licença de cada música inserida na edição, cada imagem de terceiros em uma colagem ou um meme, cada ilustração utilizada para explicar algo ao público.

Muito mais do que imaginamos a princípio, dentre tudo que é criado nas redes atualmente, contém material com direitos autorais que, ao serem barrados por um filtro de conteúdo, vão parar de ser produzidos. Memes com a imagem da personagem “Nazaré” fazendo cálculos, Gifs com a Gretchen em um reality show, gifs de gols em jogos de futebol, imagens do desenho do Homem-Aranha seriam barrados por esta nova lei, apenas para citar alguns exemplos.

Enquanto gigantes como o Youtube terão dinheiro e poder para negociar valores com os detentores dos direitos, críticos da legislação alegam que sites pequenos terão dificuldade em firmar essas parcerias a bons preços e não terão condições de bancar os filtros de conteúdo, o que por si só pode fazer com que precisem fechar.

O Parlamento Europeu alega que a liberdade na internet continuará existindo, e que o utilizador poderá carregar conteúdos nas plataformas, desde que respeitem o direito dos criadores a uma remuneração justa. Os críticos alegam que a maneira como a lei propõe fazer isso é proibitiva e anticriativa, e ainda alegam que o dinheiro não irá majoritariamente ao “criador do conteúdo”, mas às grandes empresas com esse poder.

Mas, afinal, como isso pode afetar a sua empresa?

Com a aprovação do dia 26 de março, a lei que inclui o famoso “Artigo 13” deverá ser votada no Conselho da União Europeia. Após essa aprovação, os países do bloco terão dois anos para aplicar em seus territórios. Depois disso, tudo é possível: há argumentos de que o funcionamento do Youtube ficaria insustentável na Europa, embora ainda seja muito cedo fazer uma previsão drástica da queda do gigante de vídeos no continente.

Para compreender melhor as possibilidades que o futuro nos aguarda, vamos fazer uma suposição: imagine que sua empresa tenha um canal no Youtube. Se você já usou imagens de terceiros, músicas retiradas da internet (mesmo que livres de direitos autorais), ou até mesmo brincadeiras gráficas, pode ser que um filtro de conteúdo venha a bloquear o que foi publicado.

Pode ser que o Youtube ou outras plataformas que hospedem seu podcast, seu portifólio, entre outros, modifique suas diretrizes e seu comportamento antes mesmo de outros países exigirem por lei. Muitos alegam que será muito alto o risco de que seu conteúdo seja bloqueado pelo filtro de conteúdo, mesmo que totalmente produzido por você.

Caso isso não aconteça, mesmo que você continue produzindo conteúdo da mesma maneira, poderá perder a audiência de pessoas em países europeus, já que seu conteúdo poderá ser barrado nestes países – e além de haver brasileiros em todos os países, os portugueses costumam ser uma parcela importante de muito do conteúdo produzido pelos brasileiros.

Outra mudança possível para empresas pequenas pode ser a necessidade de subir o conteúdo em seu próprio site, o que aumentará os custos com servidores. Afinal, ter um site oficial com imagens e textos é uma coisa, mas subir vídeos longos, podcasts e outros tipos de conteúdo pode demandar um custo bastante grande, especialmente para microempreendedores e pequenas empresas.

O motivo para isso? É que para um site/portal/empresa ser isento das exigências do Artigo 13 (que você já sabe, é o Artigo 17), é necessário seguir três regras: estar disponível ao público por menos de três anos; possuir faturamento de menos de 10 milhões de euros anuais; e ter menos de 5 milhões de visitantes únicos por mês. Ou seja, se a mesma regra se expandir para o Brasil e outros países, é possível que até mesmo sites de empresas com conteúdo nativo tenham que garantir licenças de direitos autorais, pagar algum valor a produtores de conteúdo (sejam músicos, fotógrafos, ou grandes empresas) e correr o risco de sofrer injustiças, como por exemplo ter um vídeo de objetivo educacional barrado por citar uma obra de terceiros (geralmente esse tipo de utilização isenta o produtor da necessidade de pagar pelos direitos).

A mudança pode ser positiva para negócios relacionados à criação de conteúdo “primário”. De fato, músicos e fotógrafos, artistas e desenhistas, por exemplo, poderão começar a ganhar mais dinheiro, já que teoricamente esses acordos podem resvalar em mais resultado financeiro. Então, caso seu negócio seja voltado a esse nicho de criação, talvez seja o momento de lutar para que as grandes corporações não concentrem toda a renda desses direitos.

Você deve se preocupar?

Por enquanto, nada muda, especialmente no Brasil. O principal cuidado que se deve ter neste momento é acompanhar as notícias sobre essas novas diretrizes e observar como elas podem mudar a internet europeia e, mais importante, o comportamento dos internautas. Afinal, nunca se sabe quando novas redes sociais podem ser criadas, ou quando novos comportamentos podem surgir. A internet está em constante mudança, mas criações de leis como esta podem direcionar e acelerar mudanças significativas que sequer imaginamos ou conseguimos prever.

Mesmo assim, tudo isso reforça ainda mais a importância de empresas terem seus próprios sites e investir em conteúdo nativo para eles. Além disso, resta ficar atento ao ambiente e mudar sempre que for necessário.