Notícia

Falta engajamento?

05/04/12

O sucesso meteórico do vídeo Kony 2012 — apesar das dúvidas com relação à idoneidade da ONG Invisible Children, do ataque exibicionista de seu fundador e diretor do filme Jason Russell e até da atualidade da campanha que já estaria descontextualizada — mostrou o poder de engajamento internacional por uma causa justa – no caso, a defesa das crianças africanas recrutadas pelo exército de Joseph Kony. Com isso, suscitou o debate sobre a repercussão das campanhas publicitárias brasileiras com finalidades social ou ambiental. O Em Perspectiva desta semana tenta descobrir os motivos de o engajamento dos brasileiros não ser maior. Em pauta, aspectos culturais da população, de organização das ONGs e entidades de defesa das causas sociais e ambientais e até mesmo o relacionamento do mercado de agências com clientes deste segmento, que, em geral, são atendidos pro bono. Nesse particular, uma das dúvidas é se há oportunismo com o emprego de “apostas criativas”, nem sempre eficientes, e sim com o objetivo de conquistar prêmios.

Agência

“O Brasil doa menos tempo e dinheiro do que a média da população mundial e ocupa a 76a posição entre 153 países pesquisados pela Charities Aid Foundation e pelo Gallup para avaliar a prática do altruísmo – a Colômbia está em 50o. Esses dados, se fôssemos somente racionais, encerrariam a questão. Mas existem alguns pontos que valem ser analisados. Como otimista incorrigível, vejo que vivemos uma fase crescente desse engajamento. ‘Ah, qual é, melhoramos de uma nota 1 para 1,5?’, diriam os mais duros. Tudo bem, mas crescemos 50%. Viemos de um país que sempre teve de lutar para sobreviver; como, então, pensar no próximo? De novo, pode vir alguém mais frio e nos comparar com a Colômbia – que também sofreu e sofre desse mal. Mas aí recorro à frase de um médico: ‘A medicina não tem todas as respostas que acreditamos que ela tenha’. Não existem respostas exatas para explicar como um país que se diz e acredita ser solidário não figure nem na frente de países mais pobres como a Colômbia. Isso vem mudando. Não tão rápido como adoraríamos, mas é um processo. E você não faz uma mudança dando uma Festa Inaugural de Novos Pensamentos, e pronto. O papel das agências tem, sim, crescido muito nesse sentido. Muitas empresas privadas também estão se dando conta da importância de investir numa campanha social ou ambiental. O que precisamos fazer para melhorar ainda mais é sempre apresentarmos soluções inteligentes e viáveis para cada crítica dura que fazemos. Se cada um fizer isso, em dez anos, seremos o melhor país do mundo. Se continuarmos a cultuar a crítica pela crítica, a acreditar que o Brasil se resume ao que vivemos e não ao que nem sequer imaginamos, seremos um país rico. Mas egoísta e cego. Faça a sua parte agora, responda: ‘O que você fez pelo bem do país, ou do bairro, ou do seu vizinho, ou de algum familiar, hoje?’”

Academia

“Há muitos casos de campanhas sociais e ambientais de repercussão no Brasil que não estão atreladas a marcas comerciais. A indústria da comunicação sempre apoiou causas sociais muito antes do termo ‘marketing de causas’ ter sido inventado. A exemplo de Kony 2012, que se tornou um case global com mais de 60 milhões de pessoas assistindo ao vídeo no YouTube, há ações ocorrendo com impactos surpreendentes. Um grupo de jovens levantou, em 15 dias, utilizando uma plataforma de crowdfunding chamada Catarse, os recursos necessários para a finalização de um documentário sobre Belo Monte e os impactos da construção da usina sobre as comunidades indígenas e o ambiente. Como o caso de Kony 2012, essas ações são desconhecidas do público que não está nas redes sociais. Além disso, é difícil encontrar uma boa agência que não colabore ou tenha colaborado voluntariamente com causas sociais. Por outro lado, para que essas ações tenham eficácia, as ONGs e entidades que defendem causas têm de se profissionalizar. Hoje há um campo de trabalho novo no empreendedorismo social que a ESPM, especialmente, mas não só, por meio da ESPM Social, tem estimulado. Se estivesse iniciando hoje minha trajetória, poderia optar por ser um empreendedor social. Algo que não existia quando eu tinha 25 anos. Conheço vários jovens formados nas melhores escolas de Marketing, Comunicação e Gestão, como a ESPM, o Insper, a FGV e a Faap, que estão fazendo essa opção de carreira e de vida. O exemplo mais emblemático no plano mundial é o Grameen Bank, do Yunus, que ganhou um Prêmio Nobel da Paz e tem inspirado jovens mundo afora”.

Consultoria

“A cultura de comunicação social no Brasil é incipiente. São poucas as campanhas de repercussão e a maioria das campanhas voltadas à mudança de comportamento em benefício coletivo ainda é financiada pelo governo. As marcas utilizam pouco a estratégia e são poucas as ONGs com estrutura e credibilidade para ter repercussão na mídia. O brasileiro, de maneira geral, tem perfil engajado, mas faltam canais que lhes transmitam segurança e confiança. Por outro lado, é desconfiado e acomodado, estimulando uma espécie de ‘monopólio das grifes sociais’ – uma concentração de doações em um número reduzido de ONGs que conquistaram credibilidade e visibilidade, pela legitimidade do trabalho. Essa acomodação faz com que grande parte das pessoas que doam, o faz sem ter um trabalho investigativo, no sentido de pesquisar alternativas e tomar uma decisão consciente. Acaba fazendo para ‘cumprir aquela função’ e ficar com a consciência limpa. Assim, não se cria um elo efetivo entre voluntário ou doador e causa ou ONG, gerando vulnerabilidade. Do lado das agências, existe a cultura de utilizar causas sociais para ganhar prêmios, sem que haja um planejamento de comunicação efetivo e uma reflexão de qual caminho trará um resultado melhor. Do lado das ONGs, com exceção das mais estruturadas, a maioria não tem estrutura sequer para dialogar profissionalmente com uma agência ou criar uma estratégia de mobilização de pessoas em torno da causa, pois ainda vive ‘vendendo o almoço para pagar o jantar’. Do lado dos veículos, com raras exceções, quando uma campanha social, além de ser muito criativa e impactante, está alinhada com uma determinada programação, a maioria coloca essas peças em espaços chamados ‘calhais’, de baixa audiência, dificultando um resultado mais expressivo.”

Agência

“Há poucos casos de campanhas sociais e ambientais de grande repercussão no Brasil. Os criativos só lembram das ONGs na época de inscrever peças mais disruptivas no Festival de Cannes, pois normalmente não fazem isso para seus clientes que pagam a conta. Por isso, em geral, são peças criadas para ganhar prêmio e não com foco em trazer resultados reais. O Brasil tem a população que mais assiste a vídeos online, segundo dados do Google, e que mais passa tempo em redes sociais. Para engajar esta população em causas sociais e ambientais, basta desenvolver um conteúdo que valha a pena. O filme da agência Africa para o Itaú é um exemplo com milhões de views. O vídeo que defende o uso consciente do papel — feito amadoristicamente e muito bem aproveitado pela agência — foi transformado em um comercial para um banco, mas poderia transmitir uma mensagem do SOS Mata Atlântica e ajudar a engajar a população nos projetos desta organização. Outro exemplo que comprova o potencial de engajar o brasileiro via redes sociais são o Criança Esperança e o Teleton, que arrecadam milhões de reais via TV aberta, mas que por tabela sempre são o assunto do dia no Twitter, onde engajam milhões de pessoas. O engajamento só não é maior por conta das ONGs que não estão estruturadas para pensar fora da caixa. Exemplos não faltam para inspirar as organizações brasileiras: o Greenpeace tem um awareness gigantesco no País em função de suas práticas globais de chamar atenção, via imprensa e redes sociais. Mas independentemente disso, com o amadurecimento do mercado consumidor brasileiro, que tende a comprar cada vez mais de empresas que colaboram de alguma forma com a sociedade, o conceito de cause marketing vai crescer em importância no País. Anunciantes e agências vão buscar formas de se associar a organizações sérias numa relação em que todos ganham.”

Fonte: M&M