Notícia

Cresce a exigência do consumidor por bom design de serviço

12/09/12

por Ricardo Leite

Quando eu era criança, meu pai insultava as pessoas no trânsito, gritando pela janela do carro: “Ô brasileiro!” Para ele, não havia maior ofensa – eta povinho subdesenvolvido e mal-educado…
Nossa família tinha tido a “experiência civilizatória” de viagens para a Europa e os Estados Unidos, o que era raro e muito valorizado naquela época. Visitar países com nível de qualidade de vida superior era transformador. O que existia lá fora era praticamente inacessível para nós, brasileiros, fosse na educação, qualidade dos serviços ou dos produtos. Na década de 1960, o delay existente entre o lançamento de um novo disco dos Beatles no exterior, por exemplo, e tê-lo à venda em nosso país era de, no mínimo, seis meses, o menor tempo que a indústria fonográfica precisava para disponibilizá-lo aqui.
Comparando aos dias atuais, com os lançamentos mundiais simultâneos dos CDs, fica evidente a desvantagem que a maioria tinha em relação aos poucos brasileiros que conseguiam viajar e ter acesso ao conhecimento no exterior. Sobre produtos, era ainda mais grave, pois muitos deles nunca chegariam a existir entre nós. Embora minimizado, ainda sentimos esse gap. Quanto tempo levou até termos um iPhone ou iPad em nossas lojas? Melhor nem avaliarmos as diferenças nos preços, as quais desviariam este artigo para aspectos tributários no Brasil… Vamos retomar o tema em questão.
Anos mais tarde, início da década de 1990, em uma viagem a Nova York, recordo-me do deslumbramento dos brasileiros por uma simples pasta de dente Crest ou um desodorante Ban. É difícil explicar hoje a sensação de encantamento que acontecia em uma simples visita à lojinha do MoMA! Cada peça apresentava-se com um refinamento estético surpreendente e tão distante da realidade brasileira, que, além de extasiar, sacramentava a grande distância entre o que havia por aqui e nos países do Primeiro Mundo. Estávamos ainda no início da abertura de mercado no Brasil, o que possibilitou a importação de produtos com qualidade superior e, principalmente, com um design melhor!
Dali em diante, passamos a conviver com produtos importados que tanto eram percebidos quanto, de fato, melhores que os similares nacionais. Se a abrangência da importação foi vagarosa, o aumento da exigência por melhores padrões estéticos e de qualidade foi rápido. O efeito sobre a indústria automobilística tornou-se um clássico exemplo da pressão popular por veículos de qualidade, com segurança e… design. Frente aos modelos importados, nossos automóveis foram classificados como carroças. Muitos se lembram das massas italianas que chegaram às gôndolas dos supermercados por bom preço e em embalagens atraentes, brilhando aos olhos dos consumidores, e como fizeram instantaneamente os produtos de fabricação brasileira, parecerem produtos de segunda categoria.
Ao longo da década de 1990, a indústria brasileira fez forte investimento na qualidade do design de suas embalagens e, atualmente, mesmo produtos de marcas próprias ou populares, como a Taeq dos supermercados Pão de Açúcar, apresentam-se com boa qualidade estética. Naquela década, com a chegada dos importados, muitas marcas precisaram se modernizar para não morrerem, investindo em muitas frentes, com ênfase no design de embalagens.
Ao longo da década de 2000, deixamos para trás a carência da qualidade estética das embalagens, e a exigência por qualidade transferiu-se para o produto em si. Foi um nível de exigência pela qualidade ainda maior, e o design continuou sendo estratégico por tratar-se de um ponto visível, rapidamente avaliado e responsável pelo valor percebido. Vivemos, portanto, uma forte demanda por bom design no produto. No entanto, como bom design não se resume aos aspectos formais, mas engloba também critérios de funcionalidade, vivenciamos um boom no design de produtos brasileiros, com grandes investimentos no setor de eletroeletrônicos, por exemplo. Já é possível encontrar acessórios para culinária sendo vendidos, a preços populares, em muitos supermercados com grande semelhança aos que nos encantavam na loja do MoMA no início da década de 1990. Bom design agora ao alcance da nova classe C. Marcas como Coza, Tramontina, entre outras mostraram como o investimento em design é significativamente rentável.
Estamos vivenciando uma nova fase, e as marcas precisam estar atentas aos novos tempos. Embora a enganosa mentalidade de que design está relacionado com a elite ainda resista, a apreciação pela boa forma existe nos grupos sociais com menor renda. Esses consumidores são capazes de distinguir o que é melhor do que é pior, incluindo as suas preferências em termos de design. Design é qualidade. E produtos mais baratos não precisam ter design inferior. Pelo contrário, boas soluções de design podem reduzir custos de produção, otimizando o uso de materiais e o tempo de fabricação, bem como preservando excelência em funcionalidade e estética. Equipes de design atuam, hoje, na detecção de oportunidades e demandas ainda desconhecidas, propondo produtos novos ou inovadores, que trazem grande resultado para as marcas, muitas vezes inventando ou reinventando segmentos de mercado.
Assim como até a década de 1990 nossa elite viajava e preferia produtos mais bem-acabados, sabemos que a classe C emergente também viaja, o que se comprova pelo crescimento do turismo nacional ou, mesmo, internacional. São novos consumidores que, ao se deslocarem, adquirem contato com a qualidade dos produtos e serviços, vivenciando experiências enriquecedoras. E após essas vivências, legitimamente não aceitam receber menos, forçando uma melhoria nas cidades onde moram. A qualidade experimentada nos grandes centros gera um círculo virtuoso em todo o território brasileiro.
Como ao longo das últimas duas décadas, muitos produtos brasileiros já foram submetidos a ajustes para a competição com os importados, o “banho de civilização” agora acontecerá no design de serviços. Saímos da época em que nossos produtos eram ruins e mal-apresentados, passamos pelo aprimoramento do design das suas embalagens, evoluímos para o design do produto em si e experimentamos atualmente o momento da qualificação dos pontos de venda, aqui incluídos aspectos bem mais amplos que o embelezamento das lojas. Lojas são a materialização física da marca, devendo refletir seu posicionamento estratégico, aprofundando o relacionamento com os clientes e, naturalmente, obtendo resultados em vendas.
No mercado atual, que exige constantes mudanças e novidades, o design da loja deve traduzir o DNA da marca, refletindo a sua essência, ao passo que o design promocional vestirá o seu espaço com a comunicação dos lançamentos do momento. O consumidor deseja bom atendimento, e marcas com atendimento piores serão reconhecidas e, consequentemente, rejeitadas. Nunca se falou tanto em índices de reclamações do consumidor, por meio da imprensa ou das redes sociais, e essa pressão sobre os órgãos regulatórios pôde ser recentemente conferida na suspensão das teles por parte da Anatel. Produtos ou, principalmente, serviços com baixa qualidade não se sustentarão por muito mais tempo.
Algumas lojas mostram como, através de design, é possível proporcionar uma experiência que, até 10 ou 15 anos atrás, só acontecia no exterior. Vejam o exemplo do instituto de tratamento para cabelos cacheados Beleza Natural: mediante posicionamento inédito, um produto exclusivo, qualidade de serviço e design, seja em marca, embalagens ou ambientes luxuosos, oferece às suas clientes de baixa renda o aumento da autoestima, materializando o tagline “Bonito é ser você”. Consequente e coerentemente, transformou-se em uma marca de crescente sucesso.
As grandes redes de varejo, incluindo supermercados, estão sendo reorientadas com base neste novo paradigma, qualificado pelo design de serviços, com experiências diferenciadas e ambientes aprimorados. Bom design é percebido como respeito pelos consumidores. Postos de gasolina, farmácias ou cinemas, todos convergem para o conceito de multisserviços e, a fim de oferecer uma experiência superior, investem em design. Grandes livrarias transformaram-se em hubs de conhecimento, aproximando pessoas interessantes e interessadas em cultura, sejam livros, musica ou filmes.
Ao oferecerem gastronomia ou um curso sobre filosofia, por exemplo, reforçam claramente o posicionamento de espaços multidisciplinares, de troca e circulação de ideias. Com isso, a validade das livrarias está diretamente relacionada com a sua capacidade de atrair um público relevante e condizente ao seu posicionamento. Além dos livros e produtos disponibilizados, a qualidade de determinada livraria, de certa maneira, está diretamente associada ao público visitante que atrai: sejam autores palestrantes, expositores ou, principalmente, leitores. Livrarias são, hoje, pontos de encontro.
Por fim, poderíamos falar de quanto o design pode contribuir para a melhoria dos aeroportos, rodoviárias ou estádios de futebol, avaliando seu fluxo, aproveitamento comercial, sinalização e ambientação, mas creio que este seja assunto para um novo artigo.

Fonte: Mundo do Marketing