Diante de uma profusão de acordos multilaterais já provados (atualmente há cerca de 500) que não apresentam sinergia entre si, prevalece a impunidade para os que descumprem as regras, a ausência de indicadores de desempenho, a falta de cooperação e a sobreposição ineficiente de papéis entre as instituições responsáveis por esses acordos. Entre os especialistas, é ponto pacífico que a Rio+20 é a oportunidade para transformar o cenário da governança do desenvolvimento sustentável.
“Há um vazio institucional na área da governança dos desafios globais. Algumas organizações do terceiro setor estão ocupando esses espaços. Mas outras entidades também podem participar desse processo”, esclarece o especialista em governança corporativa e sustentabilidade, Carlos Eduardo Lessa Brandão, que é conselheiro doInstituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
Para ele, as empresas têm vários caminhos para influenciar as decisões que serão tomadas durante a Rio+20 e também contribuir para a disseminação de práticas sustentáveis. Um desses caminhos é atuar por meio de iniciativas setoriais, que agregam empresas com desafios e anseios comuns.
Outra possibilidade é participar de congregações multistakeholders que lidam com temáticas específicas, tal como a certificação florestal (exemplo: Conselho Brasileiro de Manejo Florestal – FSC Brasil). Há ainda a alternativa de se inserir em instituições que lidam diretamente com a questão da sustentabilidade, tal como oInstituto Ethos e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds).
“As medidas voluntárias que essas instituições tomam para aprimorar as práticas de sustentabilidade correm o risco de se tornarem mandatórias. Ao participar dessas instituições, além de aumentar a capacidade de influência das empresas, elas também se antecipam às transformações socioambientais que vêm ocorrendo no mundo, protegendo-se do risco das pressões que podem surgir de seus stakeholders”, afirma Brandrão.
Zero Draft
O especialista cita a contribuição do IBGC para a redação do artigo 24 do esboço zero do documento final da Rio+20, em que se sugere às grandes empresas que emitam relatórios de sustentabilidade. Para ele, essa medida simples pode gerar um grande efeito sistêmico. “A partir do momento que a empresa tem que relatar, a sustentabilidade entra em sua pauta e ela tem chance de resolver o que vai fazer”, ressalta Brandão. “Se ela optar por usar as diretrizes da GRI (Global Reporting Initiative), terá que identificar seus stakeholders e elencar quais são as questões relevantes a serem debatidas”, completa.
O esboço zero do documento final da Rio+20, também conhecido como “Zero Draft” é fruto de sugestões e contribuições de países, grupos regionais, organizações internacionais e da sociedade civil, a fim de elaborar o documento base para Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável – a Rio+20. O documento será analisado e, se tudo der certo, espera-se que seja aprovado pelos Estados-Membros da ONU durante o encontro.
A consciência da fragilidade
Segundo o professor da PUC de São Paulo e consultor de várias agências das Organizações das Nações Unidas (ONU), Ladislaw Dowbor, no capítulo IV do esboço zero da Rio +20, em que se trata do marco institucional do desenvolvimento sustentável, vale destacar os seguintes aspectos: a necessidade de se fortalecer e integrar os chamados três pilares da sustentabilidade (econômico, social e ambiental); reforçar o papel e a função dos vários organismos internacionais que lidam com essa temática, aumentando a coerência das ações, fortalecendo a capacidade multilateral das Organizações das Nações Unidas (ONU).
“O primeiro passo é que devemos ter consciência da fragilidade geral do sistema de governança multilateral. A ONU é um sistema extremamente desequilibrado, com uma estrutura herdada da Segunda Guerra Mundial”, explica Dowbor.
Para ele, na ausência de instrumentos efetivos multilaterias, a governança do desenvolvimento sustentável deverá se apoiar nos governos nacionais. “Estados são estruturas que podem se comprometer com os objetivos da sustentabilidade. Podem-se construir, assim, país por país, políticas sustentáveis que se constituam em políticas mundiais. A ONU deveria ser uma articuladora do sistema de financiamento para o conjunto dessas políticas nacionais”, sugere o professor.
Outro ponto de destaque em relação à governança é o papel do nível local, que antes era subvalorizado e agora vem adquirindo centralidade nas discussões. “Cada cidade tem capacidade de administrar a si mesma de forma sustentável. Na verdade, se as grandes cidades não se comprometerem com as mudanças necessárias, as políticas internacionais e nacionais não funcionarão”, ressalta.
Nesse sentido, as empresas também têm papel essencial. Dowbor diz que se não houver uma mudança na cultura corporativa, nada acontecerá: “Hoje, 737 grupos controlam 80% do universo das grandes corporações transnacionais. Elas são, em sua maioria, ligadas ao setor financeiro e têm um poder elevado. Infelizmente, não se comprometeram até hoje com nada do que podemos chamar de sério em relação à sustentabilidade. Há muito greenwashing”.
O professor finaliza afirmando que a disseminação de informações sobre a sustentabilidade é indispensável. Pois se os stakeholders não pressionarem as empresas para que adotem novas posturas, elas não se comprometerão com os princípios da sustentabilidade. “É preciso mudar a forma como nos relacionamos com o mundo”, conclui Dowbor.
Fonte: Portal HSM
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